Sucesso de crítica e vendas: mais de 30.000 exemplares vendidos!
Apresenta a tradução para o português da Bíblia diretamente do hebraico e à luz do Talmud e das fontes judaicas.
Apresentada apenas em português, mostra a forma como os judeus leem e entendem o texto bíblico há milhares de anos. De certa forma, isso explicará por que os judeus são como são, em que se baseia a fé judaica ancestral e, talvez, o segredo da sua existência ao longo da história.
Para os leitores não-judeus, a leitura de certas passagens causará alguma surpresa, e isso os fará ver a Bíblia com outros olhos, a partir do contexto judaico original da mesma e sem as "interferências" operadas em certas passagens polêmicas no decorrer dos tempos.
São 880 páginas em papel Scritta
branco 44 gr. (o que dá uma espessura de apenas 3 cm) e capa dura de luxo.
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Os livros que compõem a
BÍBLIA HEBRAICA são:
Torá
Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e
Deuteronômio
Profetas
Josué, Juízes, Samuel, Reis, Isaías, Jeremias, Ezequiel e
Os Doze (Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Mihá [Miquéias], Nahum, Habacuc, Tsefaniá [Sofonias], Hagai [Ageu], Zacarias e Malaquias)
Escritos
Salmos, Provérbios, Jó, Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester, Daniel, Ezra- Neemias e
Crônicas
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Inédito, um Tanach em português!
por Bernardo Lerer
Jairo Fridlin, da Editora Sêfer, já pode respirar aliviado: dois anos depois de iniciada, está pronta a primeira edição completa do
Tanach, isto é, a Bíblia judaica, em português. Ele realiza "um sonho antigo, pois os judeus falam português há pelo menos mil anos e a única versão do
Tanach numa língua próxima da nossa é de 1553, editada em Ferrara, na Itália, mas em ladino. Os judeus não tinham autorização para traduzi-la para o português", conta Jairo, que editou dezenas de livros de oração, de reflexão, para crianças, leis sobre cashrut, etc.
A versão em português do
Tanach terá 880 páginas, capa dura de luxo e uma lombada de apenas dois centímetros e meio, porque empregou-se o chamado papel bíblia, cuja folha pesa apenas 44 gramas. O livro é uma obra coletiva. Ele o traduziu junto com David Gorodovits, do Rio, e teve a revisão técnico-religiosa dos rabinos Marcelo Borer, Daniel Touitou e Saul Paves, e dos professores Norma e Ruben Rosenberg, Daniel Presman e Marcel Berditchevsky.
O livro vai se destinar aos alunos das escolas judaicas e ao público em geral. A seguir, entrevista com Jairo Fridlin:
Quais as novidades desta edição?
A maior, sem dúvida, é seu "jeito" judaico, baseado e influenciado pela visão do sábios do Talmud e nas demais fontes judaicas dos últimos 2.000 anos. O uso dos nomes hebraicos - tanto dos personagens como dos lugares - torna o conjunto da obra mais interessante, porque usamos o "ben" para indicar a filiação (ex.: Avner, filho de Ner, virou Avner ben Ner). Quanto aos lugares, é possível entender onde que se passa pois esses pontos são visíveis no mapa hoje. Na grafia, usamos o H sublinhado para representar as letras Chet e Chaf, ao invés do tradicional CH. Acredito que o resultado seja bom. O público vai decidir. Embora seja apresentada convencionalmente, em capítulos e versículos - cuja origem não é judaica, mas teve que ser "oficializada" devidos aos recorrentes debates inter-religiosos da Idade Média -, tentamos demonstrar como é a divisão judaica para evita desmembramentos e descontextualizações de alguns textos. Apresentamos também aquelas "aberturas" que aparecem no textos hebraicos. Ficamos devendo a inclusão de todo o texto em hebraico. Isso fica para a próxima.
Agora, em relação às outras traduções em português, o que mais a distingue é que nenhuma delas foi feita diretamente do hebraico, idioma original da Bíblia. O que ninguém discute e é um fato.
Quais as grandes dificuldades encontradas para a tradução?
Ao não inserir notas de rodapé, tivemos de decidir entre as diferentes opções de tradução de algumas palavras, bem como optar por um dos tantos e ricos caminhos exegéticos. Às vezes, seguimos a opinião de Rashi, outras a de Nachmânides, outras de um terceiro, e assim sucessivamente. Mas sempre apoiados em alguma opinião rabínica, e de preferência, a que melhor se articulava com o texto em si, a que damos o nome de "peshuto shel hamicrá".
Que cuidados tiveram com a tradução?
Em primeiro lugar, a clareza - para os jovens estudantes entenderem o que o texto diz. Nesse ponto, sacrificamos várias palavras - por si só corretas e precisas - por outras mais conhecidas e compreensíveis. Educadores constituíam o grupo de trabalho para dar uma forte conotação educativa à obra.
Segundo, tentamos inserir no texto algo aparentemente abstrato mas cuja ausência é possível sentir em outras traduções: o olhar judaico, o gosto judaico, o som judaico; o estilo judaico, enfim.
Além disso, tentamos extrair do texto certas influências externas que se incorporaram a ele, às vezes intencionalmente, o que o distanciava do original. Um exemplo é traduzir Shabat por "dia de descanso", que amanhã poderia vir a ser o domingo... ou traduzir a palavra Toráh apenas como Lei, quando sabemos que ela é muito, muito mais que isso.
Raramente, e entre parênteses, inserimos palavras que complementam o texto, ou que o comentam, ou que identificam determinados personagens a que o texto faz referência. Isso poderá evitar que certas passagens sejam relacionadas a quem não de direito. Nos Profetas maiores e particularmente em alguns dos Escritos, não nos prendemos mais do que o necessário à letra do texto mas tentamos captar e transmitir sua mensagem de forma bem clara, como anteriormente na edição do livro dos Salmos. Nossa intenção é que o leitor se emocione com o texto, vibre e se envolva com a leitura. Neste caso, a tradução literal e "burocrática" seria um erro.
De que fontes se valeram para a tradução?
Primeiro, baseamo-nos na versão em hebraico do
Tanach conhecida como "Kéter Aram Tsová" (ou Alepo), reconhecida como a mais fiel e autêntica, e que remonta à época de Maimônides.
Consultamos traduções para o inglês, espanhol, francês - e mesmo português - como fontes de comparação e apoio, mas no apoiamos principalmente nos comentaristas clássicos do
Tanach , conforme relacionado no livro, mencionando até a época em que viveram.
Por que uma tradução para o português?
Porque havia essa carência e, em algum momento, alguém teria de fazê-la. O
Tanach é a base de todo o "edifício" do judaísmo. Todos os demais livros se relacionam a ele. E é triste e doloroso constatar que poucos de nós tivemos a oportunidade de conhecê-lo. Eu mesmo, no início de meus estudos, sofri para entender muitas passagens. Talvez agora, disponível uma tradução judaica para o português, mais pessoas se interessem em conhecer e estudá-lo com a profundidade que ele merece!
Qual o significado desta obra?
Para mim, é a maior de todas e tantas contribuições judaicas para a Humanidade. Ela é a ponte que poderá tornar o mundo uma grande família de povos e, à luz de seus ensinamentos, aprenderá, um dia, a se respeitar e a viver de forma harmônica e em paz, como nos ensina aquela famosa profecia do lobo e do cordeiro, de Isaías. Ela é o livro mais importante da cultura judaica e o que mais profundamente influenciou a civilização ocidental. Graças a ela, nos deram, aos judeus, o título honorífico e o devido respeito por sermos "o povo do livro". Pois devemos assumir esta condição, também em português.
O texto foi traduzido na ordem direta, ou tal como se lê no original?
Onde possível, tentamos colocar na ordem direta. Ao invés de "E falou o Eterno a Moisés", adotamos o "E o Eterno falou a Moisés". Mas em trechos dos Profetas e dos Escritos, o estilo do texto exigia que mantivéssemos a forma indireta.
Quem já se mostrou interessado nela?
Primeiramente, as escolas judaicas; creio que logo as famílias judaicas também se interessarão por uma obra tão importante e fundamental para a identidade judaica. O público não-judaico também está ansioso por conhecer a forma como nós, judeus, lemos e entendemos a Bíblia.
Existe a possibilidade de ela vir a ser distribuída nos países de fala portuguesa?
Existe, e vamos tentar fazer isso o mais breve possível.
A edição inclui a exegese do texto bíblico?
Apenas parcialmente, pois não existe tradução sem exegese. Em outras palavras, a própria tradução é, em certa medida, uma exegese.
Caderno 2- CULTURA- de O Estado de S.Paulo- D5 22-1 2006
Bíblia Hebraica, a nova versão que não é uma redundância
Grupo de trabalho que teve à frente o editor Jairo Fridlin traz a especialistas mais um elemento complicador e enriquecedor
Moacir Amâncio
Existem várias e boas traduções da Bíblia em português. Uma grande tradução é aquela de João Ferreira de Almeida (a fiel), pela qualidade literária. A Bíblia de Jerusalém é uma das versões autorizadas para uso em pesquisa, etc. Católicos ou protestantes, cada um conta com a sua Bíblia, com o objetivo de atingir a verdade do texto original. No Brasil, onde existe vida judaica organizada há cerca de 150 anos, tinham aparecido as versões do Pentateuco (Torá) feita por Matsliah Melamed (Sêfer) e A Torá Viva (Maayanot). Faltava a parte complementar do conjunto, que forma a Bíblia Hebraica: Profetas e Escritos.
A questão que se colocava: o que fazer quando se tratava de estudar essa literatura específica numa escola judaica, antes do conhecimento suficiente do hebraico, ou quando um judeu pretendia ler a Bíblia Hebraica em português? Era preciso recorrer às traduções em voga e adaptá-las à linha de pensamento exigida. Por isso o editor e tradutor Jairo Fridlin reuniu um grupo de tradutores, educadores e rabinos para resolver o problema - sem entrar na questão de que, diante do texto bíblico original, o leitor se apóia em comentários e, no caso de estudiosos, em pesquisas lingüísticas. O resultado é esta edição da Bíblia Hebraica em português. Pode ser vista como serviço prestado a fiéis e uma contribuição para o diálogo entre as religiões, que se iluminam reciprocamente - os especialistas têm agora mais um elemento complicador e enriquecedor.
Fridlin e David Gorodovits se encarregaram da tradução, enquanto Uri Lam (responsável por tornar acessível em português O Guia dos Perplexos, de Maimônides) secretariou o grupo, e os demais se encarregaram de revisão técnica e outros tipos de assessoria especializada. Para chegar ao texto final, a equipe utilizou-se dos grandes exegetas antigos, que incluem desde rabinos talmúdicos e o tradutor aramaico Ônkelos, até os medievais Shelomô Itshak (Rashi), Ibn Ezra, Nahmânides, Maimônides, dom Isaac Abravanel, etc. Possíveis diferenças com outras versões nem sempre são tão claras e podem obedecer a critérios eruditos e sutis, com implicações interpretativas em diversas áreas. Um exemplo está em Êxodo, 21:8, que talvez dê idéia da complexidade em pauta, pois, como sabemos, a Bíblia é muito difícil em qualquer idioma.
Trata-se do caso em que um pai vende a filha como serva e as conseqüências do ato. Diz o versículo: 'Se for má aos olhos de seu senhor para consagrá-la para si, ou remi-la, não poderá vendê-la (nem o pai) a outro homem após tê-lo servido e não havê-la desposado.' O nó aqui está em 'outro homem'. O original hebraico refere-se a 'povo estranho', o que é observado por Ferreira de Almeida e pela Bíblia de Jerusalém. No entanto, Ônkelos traduz para 'outro homem', assim como rabinos antigos entendem o versículo. Nada aqui é pacífico e não é este o espaço para análises do ponto, mas polêmicas à parte, os tradutores da Bíblia Hebraica procuraram as próprias tradições, que se explicam nela mesmas.
Os caminhos de contrastes e confrontos sugeridos a partir daí são suficientes para estimular o estudo. Não há motivo para se considerar esta nova tradução uma redundância, diante da quantidade de traduções existentes. Até porque, como enfatizam os editores, não se conhece até hoje um esforço semelhante em português, mesmo no passado da Península Ibérica anterior à inquisição e à expulsão dos seguidores de Moisés. Além disso, qualquer texto só pode ser lido à luz do momento presente, e as análises mais conclusões dependem do enfoque do leitor. Por esses motivos, a publicação não pode passar sem registro - ela tem evidente sentido histórico.
Moacir Amâncio é autor de Contar a Romã (Globo)
São Paulo, sábado, 02 de setembro de 2006 |
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Crítica/religião
Tradução mostra as interpretações do judaísmo para escrituras sagradas RAFAEL RODRIGUES DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Hoje contamos com inúmeras traduções da Bíblia (tanto o Primeiro Testamento ou Bíblia Hebraica quanto o Segundo Testamento ou Testamento Cristão) com variados estilos, tendências e, evidentemente, com suas opções interpretativas. Se tomarmos as traduções que circulam nos ambientes cristãos, logo perceberemos sua perspectiva de análise e leitura do texto antigo.
Agora, o leitor desavisado poderia questionar, ao se deparar com mais uma tradução para o português das Sagradas Escrituras Hebraicas: já não temos tantas traduções? Qual a intenção da editora Sêfer neste árduo trabalho de produzir uma tradução do texto hebraico?
Ela traz a público uma versão do texto bíblico conforme a tradição judaica. Vale salientar que se trata de um trabalho pioneiro nos círculos judaicos, com a intenção de se manter o mais fiel possível ao texto original. Também busca se manter distante de certas tendências e interpretações teológicas.
Nesse sentido, não há notas de rodapé (explicativas e interpretativas) como noutras traduções. Esta opção propicia um não direcionamento da leitura que as pessoas farão do texto.
Mas devemos ter clareza de que, por mais que se diga que propomos uma tradução isenta e neutra de conveniências e interpretações teológicas, ainda assim, ao apresentar uma leitura conforme as tradições religiosas e culturais, estamos delimitando um caminho e uma proposta de leitura do texto.
Seria interessante se a tradução trouxesse no final um pequeno glossário contendo alguns conceitos-chave que aparecem no texto e como eles são interpretados e relidos pela tradição judaica. Também seria interessante para ajudar os leitores que têm pouco conhecimento das tradições e da história do judaísmo contar na apresentação alguns aspectos da história, dos costumes e da cultura de Israel.
No entanto, é de suma importância esta tradução da Bíblia Hebraica à luz do Talmud e das tradições judaicas. A editora Sêfer e os editores da Bíblia Hebraica estão de parabéns por mais este serviço aos estudiosos do texto sagrado, aos grupos religiosos e ao diálogo entre as tradições judaicas e cristãs.
RAFAEL RODRIGUES DA SILVA é professor de exegese bíblica do Instituto Teológico São Paulo e da Unisal e professor de teologia do departamento de teologia e ciências da religião da PUC-SP.
BÍBLIA HEBRAICA
Editora: Sêfer
Tradução: David Gorodovits e Jairo Fridlin
(880 págs.)
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Revista 18
Centro da Cultura Judaica - Casa de Cultura de Israel
Ano IV - número 17 - Setembro / Outubro / Novembro 2006 - ISSN 1809-9793
Uma nova Bíblia em português
Nova tradução da Bíblia hebraica, diretamente do idioma original, chega ao leitor brasileiro
com a intenção de reparar distorções e de incluir a tradição sapiencial judaica. O trabalho,
porém, é apresentado de forma monolítica, sem notas nem comentários, ou seja, é uma
entre muitas interpretações possíveis das escrituras.
Por
Suzana Chwarts
(Arqueóloga bíblica e professora de Estudos Bíblicos na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP)
Apublicação da Bíblia hebraica por David Gorodovits e Jairo Fridlin - "baseada no hebraico e à luz do Talmude e das fontes judaicas" - traz ao leitor brasileiro o texto bíblico a partir de uma perspectiva judaica, segundo escrevem, em seu prefácio, os editores deste empreendimento. Ou seja, trata-se de um livro que procura harmonizar literaturas distintas, que perfazem uma trajetória de dois milênios: o texto hebraico massorético, o Talmude e os comentários dos sábios de Israel. David Gorodovits é referência de militância e erudição judaicas na comunidade do Rio de Janeiro, onde atua há 50 anos. Jairo Fridlin, que estudou na yeshivá de Petrópolis e na yeshivá Netiv Meir, em Jerusalém, é o responsável pela tradução para o português do Sidur e do Machzor (livros de orações), editados pela Sefer.
Os editores e tradutores responsáveis por esta tradução para o português da Bíblia hebraica investem na compreensão dos seus conteúdos, e o fazem a partir de dois pressupostos teológicos. O primeiro deles é o de que a Bíblia é fiel à verdade de forma absoluta, e o segundo, de que ela revela o caminho que conduz à "harmonia, à paz universal e ao amor sem cobiça". Para apreendê-los, no entanto, explicam que urge incorporar ao texto bíblico os ensinamentos do Talmude e dos exegetas. Seu objetivo, assim, parece ser a ampliação e o aprofundamento da consciência contextual, dotando o texto bíblico de uma dimensão suplementar, ancorada na tradição sapiencial de Israel, isto é, de uma sabedoria produzida em tempos e espaços diversos, e que jamais foi encerrada no dogma, e por isto mesmo destacando-se, entre todas as teologias, por sua polifonia e por sua liberdade de inquirir o texto bíblico em suas várias nuances.
Tal diversidade reflete-se na relação dos "principais exegetas consultados", apresentada pelos editores, e da qual cito apenas alguns nomes como o Rashi, exegeta que priorizou o
pshat (sentido contextual); Guersônides, filósofo, matemático e astrônomo; Nahmânides, cabalista e místico; Maimônides, racionalista; Abravanel, liberal; Gaon de Vilna, dogmático. O acesso a esta sabedoria não está em notas de rodapé ou excursos no final da obra, mas, segundo afirmam os editores, no próprio corpo do texto bíblico, através de um sistema criterioso de substituição ou inserção de terminologia. Os critérios, no entanto, permanecem ocultos ao leitor que, sem dúvida alguma, se beneficiaria imensamente da sua exposição, ainda que sucinta.
Da observação do texto fica claro que os tradutores buscam uma relação interativa e orgânica entre as diversas fontes, uma fusão harmoniosa - um verdadeiro trabalho
midráshico, isto é, interpretativo, e direcionado às gerações atuais - mas que, inevitavelmente, resulta num texto desigual, que intercala trechos fiéis à tradição massorética com outros, expandidos ou modificados pela exegese, não obstante o cuidado dos tradutores em demarcar suas interferências com parênteses e travessões. Talvez seja este exatamente o anseio dos editores que, visando intensificar o potencial redentor do texto, desdobramno até atingir os limites do ideológico e do teológico, no intuito de transformar a leitura da Bíblia hebraica numa experiência judaica singular, que "instile em seus leitores o desejo de absorver seus ensinamentos e passar a vivenciá-los na prática".
O texto que lhes serviu de base é o do códice de Alepo, também conhecido como
keter aram tsova, do século 10 a.e.c., e um dos principais códices massoréticos da tradição Ben Asher. Seu texto consonantal foi escrito por Shlomo ben Buyaa e, segundo a tradição, Aaron ben Asher se encarregou da vocalização, acentuação e notações massoréticas. Em dezembro de 1947, durante o pogrom perpetrado contra a comunidade judaica de Alepo, na Síria, a sinagoga, onde estavam guardados os manuscritos, foi incendiada, e apenas 295 páginas restaram das 487 páginas originais. O códice foi trasladado a Israel, onde está até hoje, tornando-se objeto de estudo de renomados biblistas, como Moshe Goshen-Gottstein, que considerou consistente a afirmação tradicional de que este seria o modelo de Bíblia que Maimônides teria conhecido no Egito e empregado na elaboração de sua obra mais relevante para o judaísmo - o mishne torah. O códice de Alepo foi, recentemente, a fonte de várias edições modernas da Bíblia hebraica, inclusive de duas edições de Mordechai Breuer e da consagrada Keter Yerushalaym, impressa em Jerusalém, e baseada na caligrafia e na configuração do códice, que, aliás, Fridlin e Gorodovits adotam em sua Bíblia hebraica, preservando as aberturas e espaços em branco do texto, a grafia de certas palavras e a divisão de alguns versículos.
Os tradutores deixam claro, no entanto, que sua versão da Bíblia hebraica apenas "se baseia" no hebraico e que o códice de Alepo apenas "norteia" seu exercício de tradução. Por outro lado, a apresentação do livro cria uma grande expectativa para o leitor: a de que será conduzido, por intermédio da tradição exegética judaica, a uma compreensão mais profunda da mensagem bíblica, como o exemplo citado pelos tradutores:
"No primeiro livro do
tanakh (o Pentateuco), quando Deus coloca o homem no Jardim do Éden, um quadro vívido do que deveria ser a ecologia universal nos é apresentado: o homem e todos os componentes da natureza convivendo em equilíbrio e harmonia. No entanto, o ser humano não consegue manter o comportamento que lhe é determinado, e em conseqüência disto é obrigado a deixar o Paraíso. 'Com o suor de teu rosto comerás pão'; a sentença proferida pouco antes de sua expulsão é muitas vezes interpretada como um terrível castigo, mas o judaísmo a entende como uma nova oportunidade oferecida ao homem pelo Criador, em Sua infinita bondade, para que ele, com seu trabalho, esforço e mérito, reconstrua esse mundo ideal." Mas ao lermos os últimos versículos do capítulo 3 do Livro do Gênesis, que narram a expulsão de Adão e sua mulher do Paraíso, encontramos somente as palavras aterradoras de Deus, e esta visão judaica da cena da expulsão - redentora e particularmente maravilhosa - permanece inantigível, pois é impossível incluíla no corpo do texto.
Já no Cântico dos Cânticos, Fridlin e Gorodovits alinham a leitura e a compreensão da mais famosa poesia de amor do mundo à exegese, que a considera uma alegoria do amor entre Deus e Israel, identificando o locutor de cada fala: Deus (nas falas do amante); Israel (nas falas da amada); as nações (nas falas das filhas de Jerusalém) e o Tribunal Celeste (na fala dos irmãos). Tais interferências de fato modificam a leitura do texto, e convidam à reflexão.
Em diversas instâncias o texto nos remete diretamente à versão exegética, transformando alusão em definição: o "servo sofredor", ao qual se refere o profeta Isaías, é prontamente identificado como o povo de Israel. Outras vezes, a tradução, fiel ao hebraico, corrige interpretações de outras teologias que corromperam seu sentido original e, conseqüentemente, a identidade do texto como um todo. Assim, lemos que "a moça grávida dará à luz um filho e o chamará Imanuel" em Isaías 7:14, e não a "virgem", conforme uma tradução errônea, porém corrente, do termo hebraico 'almah'.
A equipe de tradutores e revisores se esmerou na clareza do texto em português, que flui livre dos arcaísmos e termos rebuscados característicos de tantas outras traduções. É sempre relevante ter em mente que a oralidade é um componente significativo da Bíblia hebraica, que é lida em voz alta várias vezes por semana na liturgia judaica, e esta qualidade foi respeitada na tradução, acentuada, inclusive, pela preservação dos nomes próprios e de lugares no hebraico original. Surpreende apenas, na bibliografia, a ausência de dicionários bíblicos especializados, m instrumento indispensável no exercício da tradução. Os estudos etimológicos do hebraico bíblico revelam camadas de significado que iluminam o texto e aguçam sua compreensão.
Um exemplo: em Gênese 1:2 lemos "a terra era sem forma e vazia, e havia escuridão sobre a face do abismo, e o espírito de Deus pairava sobre a face das águas". Os tradutores optaram pelo verbo "pairar" para traduzir o hebraico
merahefet, assim como a maior parte das traduções convencionais. O radical rhf, porém, do qual merahefet é derivado, traz a idéia básica de movimento, deslocamento e vibração, um sentido que o hebraico compartilha com o ugarítico (língua semita ocidental, da mesma família do hebraico). Na própria Bíblia hebraica, este verbo figura outras duas vezes, em Deuteronômio 32:11, quando descreve uma águia que se agita em torno de seu filhote, e em Jeremias 23:9, quando o profeta faz referência ao tremor dos ossos. O verbo em Gênese 1:2 associado a ruah, vento, sopro, espírito divino, reforça ainda mais a idéia de que a superfície das águas estaria agitada: a presença divina gerando movimento e dinamismo e alterando a natureza informe e estática do caos primordial.
São oportunidades como esta - de esclarecer a mensagem bíblica através do estudo de sua língua original, assim como a de aprofundar sua percepção através dos ensinamentos dos sábios da tradição judaica - que movem estudiosos como Fridlin, Gorodovits e o grupo de revisores da obra, composto por professores do ensino judaico e rabinos, e que constituem a tônica e a razão de ser de uma Bíblia como a que temos hoje em mãos.
Trata-se de uma obra que vem preencher uma lacuna na bibliografia judaica brasileira, e incorporar-se à herança de Israel - uma herança que vem sendo edificada, ao longo dos séculos, por aqueles que firmam um pacto de leitura com a Bíblia hebraica e com sua palavra, sempre aberta à expansão e à descoberta.