O SENTIDO DA ORAÇÃO
POR QUE REZAR?
É certo que, às vezes, eu
rezo somente para obedecer a lei judaica que exige de mim rezar. Entretanto, há
vezes também que eu rezo porque, sinceramente, desejo rezar. Isto acontece quando quero
desafogar-me e falar com meu Pai dos céus, meu Criador, o Único - bendito seja
Ele!
Isto acontece quando quero
clamar ao Ser Supremo, comunicar-me com Ele de um modo pelo qual não posso
comunicar-me com ninguém mais. Não posso vê-Lo, porém Ele é real. Ele está
presente!
Tais momentos me acontecem
somente às vezes, porém são produzíveis. Algumas vezes, quando estou aflito ou
quando sinto-me só e abandonado por todo o mundo. Às vezes, quando me sinto
angustiado pelo estado de um ser querido ou quando minha gente se sente em
perigo. Em tais momentos, é possível que meu lamento vá acompanhado de uma
lágrima, um coração aflito, uma sensação de desespero.
Outras vezes, isto
acontece ao experimentar uma imensa sensação de alívio, ou quando recebo uma
notícia realmente boa, que me causa alvoroço e me leva ao êxtase. Então, meu
clamor pode ser acompanhado por uma sensação de expansão e por um profundo
sentimento de gratidão Não posso saber se Deus aceitará minhas preces e
responderá afirmativamente a elas, mas sei, e creio firmemente, que Ele escuta
as minhas preces!
REGULARIDADE
Se eu não rezasse
regularmente por um sentido de dever, não creio que me seria possível rezar
naqueles momentos em que realmente quisesse fazê-lo.
Recordo-me que, quando era
menino, contemplava o meu pai - de abençoada memória - quando recitava suas preces.
Algumas vezes, particularmente nos Dias Solenes, lágrimas somavam-se a seus
olhos. Recordo-me que me sentia perturbado. Não entendia o que o fazia chorar.
Queria fazer algo para deter seu pranto, e apartava minha vista dele.
Não
podia entender quais eram seus pensamentos em tais momentos, porém agora o
entendo. Estava presenciando uma muito íntima comunicação entre o meu pai e seu
Criador. Agora, eu também me comunico às vezes com o meu Criador.
Vivemos numa época na qual
não se costuma rezar. Inclusive entre pessoas filiadas a uma sinagoga, são
muito poucos os que rezam diariamente ou sequer uma vez por semana. Os que não
rezam regularmente adotam um ar de que superaram esta etapa, e que eles não
necessitam rezar. A razão pela qual se filiam a uma sinagoga é para se
identificar com o povo judeu e com a comunidade judaica e, talvez, inclusive
com a fé judaica. Porém, não com a finalidade de rezar.
HUMILDADE
Alguns
consideram que a arrogância espiritual do homem contemporâneo constitui um
obstáculo para que ele possa rezar. Visto que a ação de rezar requer capacidade
de sentir reverência e gratidão, a pessoa pouco modesta e arrogante não pode
rezar sinceramente, pois não sente reverência e gratidão. Tem demasiada fé em
sua própria capacidade de realizar milagres e credita todas as suas vitórias às
suas próprias forças. Carece da necessária medida de humildade.
Embora
isto corresponda exatamente para certas pessoas, a dificuldade de outras em se
entregar à comunicação com Deus pode provir de ascetismo e dúvida. Não é que
sejam ateus ou sequer agnósticos; é que simplesmente vacilam entre a fé e a
dúvida. Noé, por exemplo, descrito na Bíblia como um "homem justo" que "sempre
andava com Deus", disse que "cria e não cria", porque lhe faltou a fé
necessária para se mudar imediatamente para a arca que Deus lhe ordenara
construir, entrando nela somente no último momento (ver o Rashi sobre Gênesis
7:7). A nossa geração também parece manter-se num precário equilíbrio entre
crer e não crer, inclinando-se algumas vezes num sentido e outras vezes em
outro.
SABER REZAR
Ou talvez a razão de as
pessoas não costumarem rezar seja porque a maioria delas não sabem como
fazê-lo. Nunca lhes ensinaram devidamente. Não obstante, o ato de rezar é mais
frequente do que se supõe, se não pensarmos nele como algo que tem lugar
somente dentro de um ritual religioso estruturado e unicamente mediante
determinadas palavras prescritas e sancionadas. "Deus, por favor, cure-a!" - é
uma das preces mais simples e clássicas. Moisés a pronunciou quando sua irmã
Miriam foi atacada pela lepra (Números 12:13). De um modo ou de outro, esta
mesma prece é pronunciada por um sem número de mães, filhos e amigos.
Ou vejamos o tão frequente
suspiro de alívio "Graças a Deus", que surge depois de haver passado um período
de intensa ansiedade em razão de um grave acidente, ou de uma séria
enfermidade, ou uma perigosa missão, ou quando um ser querido parece estar entre
a vida e a morte, ou entre o êxito e o infortúnio. Isto também é uma oração e
costuma ser pronunciada tanto por pessoas que pensam que nunca rezam quanto por
aquelas que o fazem com consciente e deliberada regularidade.
Ou consideremos o
sentimento de reverência e admiração que brota do coração à vista de grandes
cenários da natureza ? vastos oceanos, montanhas imponentes e desertos
impressionantes. O Rei David resumiu dizendo: "Ó Deus, quão imensa é a
multiplicidade de Tuas obras!" Por acaso isto não é uma prece, mesmo
quando expressado com um simples "magnífico" por gente menos talentosa
poeticamente do que o autor do Livro dos Salmos? Entretanto, quando se crê que
estes fenômenos são obras do Eterno e se tem a intenção de louvá-Lo por elas,
então estas palavras também constituem uma prece.
Ou
consideremos a pessoa que tem remorsos de consciência por alguma iniquidade
cometida e, no mais íntimo de seus pensamentos, diz: "Como estou aflito por
isso!" Isto também é uma prece, especialmente se acompanhada das palavras "Perdoa-me!".
TIPOS DE PRECE
Estes exemplos são
universais e se referem também aos quatro tipos de prece contidas no Sidur. A
prece de pedido, considerada pela maioria das pessoas como a natureza e a
finalidade de toda oração, não é mais do que um desses quatro tipos de prece.
Os outros três são as de agradecimento, as de louvor ao Eterno e as que,
basicamente, são formas de introspecção e de confissão.
A palavra hebraica para
rezar (lehitpalel) não significa "rogar" ou "suplicar" a Deus. Ela provém
do radical hebraico "PLL", cujo sentido se aproxima do último dos quatro tipos
de prece aqui mencionados e significa "julgar". Portanto, lehitpalel
(rezar) pode ser traduzido também por "julgar a si mesmo", e esta é a chave do
verdadeiro propósito de se entregar à oração. Ainda que solicitemos a Deus que
nos proporcione o que nos falta, ou que Lhe agradeçamos por algum bem que nos
fora brindado, ou Lhe exaltemos por Seus imponentes atributos, toda prece está
destinada a nos ajudar a nos convertermos em seres humanos melhores.
Enquanto os judeus que
optam por reger suas vidas segundo os preceitos e as tradições do judaísmo se
entregam diariamente à oração como parte de seus deveres religiosos, os
judeus que se afastaram da observância tradicional e do hábito de rezar
regularmente em momentos determinados encontram muitas ocasiões nas quais não
só pronunciam sinceras e sentidas palavras de reza, como conscientemente querem
participar dos serviços formais do ritual de orações.
PRECE ESPONTÂNEA
Ainda que a prece
espontânea possa, às vezes, aflorar facilmente aos lábios, no geral isto
representa um grande desafio. Para quem não está acostumado a rezar, não é
fácil fazê-lo. Surgem as perguntas: "O que direi?" e "Como o direi?" É bastante
aceitável no judaísmo solicitar a uma pessoa religiosa ou santa que reze por
alguém, supondo-se que suas preces adicionais possam ter mais peso (Berachot
34b). Porém, geralmente o "Reze por mim, rabino!" significa mais uma
solicitação para que o rabino substitua suas próprias preces (do que solicita)
pelas de outra pessoa (do rabino) do que complementá-las. Numa análise final,
nós cremos que toda pessoa tem os mesmos direitos e as mesmas obrigações de se
dirigir a Deus. Fazê-lo diretamente pode acabar sendo mais significativo do que
por meio de intermediários.
Os nossos sábios
entenderam bem esse problema e chegaram à conclusão de que são poucos os que
possuem a capacidade de expressar seus sentimentos e pensamentos mais
profundos. Portanto, proveram-nos de orações compostas por mestres da liturgia
e estabeleceram uma estrutura formal na qual pudéssemos dar expressão a toda
vasta gama de estados de ânimo do ser humano, às nossas esperanças e temores
pessoais, às nossas aspirações e experiências racionais, às nossas mais simples
necessidades materiais e às nossas mais elevadas aspirações espirituais que
transcendem a história e chegam até o infinito. Isto serve também para nos
ensinar o que devemos pedir e nos educar sobre as aspirações que devemos
sustentar.
ESTRUTURAÇÃO
As orações clássicas e os
serviços rituais estruturados têm resistido à prova do tempo. Em todas as
gerações, os judeus têm encontrado sentido e conteúdo em palavras compostas há
três mil anos. E por que não? A tecnologia pode ter avançado, as culturas e
civilizações podem ter mudado, porém a natureza humana e sua condição têm
permanecido constantes. As preces judaicas têm demonstrado serem oportunas em
cada momento, bem como permanentes e duradouras através dos tempos.
A capacidade de rezar não
é patrimônio exclusivo dos fiéis de um determinado credo. Toda pessoa que crê
em Deus sente-se impulsionada, num momento ou outro, a pronunciar uma sentida
oração dirigida a Ele. E, às vezes, não crentes recalcitrantes também se sentem
movidos a fazê-lo. Então, se o rezar é comum às pessoas de todos os credos, o
que torna judaica a oração judaica?
REZANDO COMO JUDEU
A prece judaica é uma
oração que utiliza o idioma hebraico da Bíblia e que reflete o espirito
judaico. É uma reza que expressa os valores fundamentais do povo judeu e afirma
os artigos básicos da fé judaica. É uma prece que reflete nossa experiência
histórica e expressa nossas aspirações para o futuro. Quando a reza de um judeu
não reflete um desses componentes, ele pode estar rezando, mas não poderá se
afirmar que está rezando como judeu.
Um judeu pode escolher
suas próprias palavras quando reza a Deus, mas quando utiliza as palavras do
Sidur, torna-se parte do povo judeu. Deste modo, identifica-se com os judeus de
todo o mundo que utilizam idênticas palavras e expressam os mesmos sentimentos.
Assim, ele afirma um princípio de mútua responsabilidade e preocupação, e ocupa
seu lugar desde o alvorecer da história ao se vincular a Abrahão, Isaac e
Jacob. Ele reafirma seus direitos a um futuro judaico neste mundo e à redenção
pessoal no mundo vindouro.
Tudo que a teologia
judaica tem de peculiar; tudo que os valores judaicos têm de especial; tudo que
a história judaica tem de singular ? as preces judaicas têm também.
ASSISTIR × PARTICIPAR
Um pensamento para
concluir. Considera-se normalmente que, assistir aos serviços religiosos na
sinagoga e rezar são a mesma coisa. Supõe-se que quem faça um, faça também o
outro. Esta suposição deveria ser válida, porém não é, especialmente em nossos
dias. Há quem reza até mesmo diariamente, mas de forma privada e fora do marco
da sinagoga. Por outro lado, há os que vêm à sinagoga para "assistir"
aos serviços, mas que não se dedicam a rezar. Aparecem em resposta a um convite
de familiares ou de amigos, para participar da celebração de um Bar Mitsvá
ou algum outro acontecimento. Vêm para ver e ser vistos, e não para rezar.
Não há
quase nenhum rabino que não tenha experimentado algumas vezes a vaga sensação
de estar ante uma sinagoga lotada de fiéis, gente sentada cortês e
tranquilamente a contemplar os serviços, porém, no geral, sem sequer
molestar-se em abrir o livro de orações. Esta gente bem pode estar ?assistindo
aos serviços?, mas não está participando das rezas.
Ser mero expectador de um
serviço religioso judaico não é o mesmo que ser um participante ativo do mesmo.
Para ser um participante ativo requer-se certo envolvimento, mesmo que não seja
mais do que responder "Amen" em determinados momentos, mesmo que não seja mais
do que pelo ânimo de sentir que gostaria de ser parte do que se está recitando.
A situação acima descrita
é patética porque não é produzida por falta de crença ou de vontade de rezar. É
o desconhecimento da sinagoga e de seus rituais, do livro de orações e de seu
conteúdo, que faz com que estes assistentes sintam-se perplexos até ante a
mínima proporção de envolvimento, que os nossos sábios tomaram em consideração.
Espero que, ao manusear
este livro, os simples expectadores aprendam a se converter em participantes
ativos das rezas, e que os participantes ativos se sintam estimulados a se
tornar participantes mais inspirados na experiência da prece judaica. E, se
estiver certa a afirmação de lehudá Halevi, de que "a reza é para a alma o que
o alimento é para o corpo" (Cuzarí 3:5), então, só resta esperar que com
isso eles possam se enriquecer e fortalecer-se.
"O Eterno está próximo de
todos os que O invocam, daqueles que O invocam com sinceridade."
Salmo 145:18
Extraído com autorização
da Introdução (págs. 14-20) de "Rezar como Judio - Guia para el libro
de oraciones y el culto en la sinagoga", do Rabi Hayim Halevy Donim,
traducido del inglés por Oscar Sapolinsky, editado por Eliahu Birnbaum,
Editorial Eliner, Departamento de Educación y Cultura Religiosa para la
Diáspora de la Organizacion Sionista Mundial, Jerusalém, 1986/5747. Ao autor, à
Editora e ao Departamento de Educação e Cultura Religiosa - nosso sincero
agradecimento.