Introdução
É com grande ansiedade que alguém, que conhece os riscos envolvidos nesta tarefa, começa a escrever um trabalho como este, envolvendo alguns dos mais bem guardados (e ocultos) mistérios da Cabalá. Muitos questionariam se é sábio e correto colocar tal informação em um livro impresso, especialmente em uma tradução para o vernáculo. Mas tanta informação errada já foi publicada que é verdadeiramente imperativo que um relato autêntico e autorizado torne-se disponível. E é por este motivo - ainda que, por outro lado, eu esteja ligado a um voto de segredo - que os grandes mestres vivos da Cabalá deram sua aprovação para que um livro como este viesse à luz.
A ciência da Cabalá está dividida em três áreas básicas: a teórica, a meditativa e a prática.
A teórica lida com a forma dos mistérios, ensinando a estrutura dos domínios angelicais como também das Sefirot, ou Emanações Divinas. Com grande sucesso, ela trata de problemas focados por muitas escolas de filosofia e provê um padrão conceitual no qual todas as idéias teológicas podem ser ajustadas. O mais importante para esta discussão é que ela também provê uma estrutura através da qual o mecanismo da Cabalá meditativa e prática pode ser entendido.
Existe cerca de três mil textos impressos de Cabalá, sendo que a maior parte deles trata da Cabalá teórica. Nesta categoria estão os mais conhecidos trabalhos cabalísticos, como os livros Zôhar e Bahir, que são quase totalmente teóricos. É o caso também dos escritos do Rabino Isaac Luria, o Ari, considerado por muitos como o maior de todos os cabalistas. Com o passar do tempo, esta escola sondou cada vez mais profundamente as ramificações filosóficas dos conceitos dos cabalistas originais, produzindo um sistema filosófico extremamente profundo, auto-consistente e satisfatório.
Por outro lado, a Cabalá Prática era um tipo de magia branca, que tratava de técnicas que poderiam evocar poderes sobrenaturais. Ela envolvia o uso de Nomes Divinos e encantamentos, amuletos e talismãs, como também quiromancia, fisiognomonia e astrologia. Muitos cabalistas teóricos, guiados pelo Ari, desaprovaram o uso de tais técnicas, rotulando-as de perigosas e espiritualmente desrespeitosas. Como resultado disso, apenas um número muito pequeno de textos sobreviveu, principalmente na forma de manuscritos, e só um punhado dos mais inofensivos destes foi publicado.
É significativo notar que várias das técnicas aludidas nestes fragmentos também parecem ter sido preservadas entre as escola de magia não judaicas (sem nenhuma ligação com o judaísmo) na Europa. A relação entre a Cabalá Prática e estas escolas mágicas constituiria uma interessante área de estudo.
A Cabalá meditativa está entre estes dois extremos. Alguns dos métodos meditativos mais antigos são limítrofes à Cabalá Prática e seu uso foi desencorajado pelos mestres posteriores, especialmente os da escola do Ari. Nesta categoria, os poucos textos que sobreviveram são do período talmúdico. O mesmo ocorreu em relação aos ensinamentos do mestre do século 13, o Rabino Abraham Abuláfia, cujos trabalhos meditativos nunca foram impressos e só sobreviveram em manuscritos.
É notável a declaração que finaliza a obra Shaarê Kedushá (Portais da Santidade), que é essencialmente um manual de meditação. A parte mais importante e explícita deste texto está na quarta seção que, de fato, provê instruções sobre a meditação em si. Quando este livro foi impresso pela primeira vez em 1715, o editor omitiu a última e mais importante seção da obra com a seguinte justificativa:
"O impressor declara que esta quarta seção não será copiada ou impressa pois consiste completamente de Nomes Divinos, permutações e mistérios ocultos, e não é apropriado trazê-los ao altar da máquina de impressão."
Realmente, ao examinar esta seção, vemos que os "Nomes Divinos e suas permutações" têm um papel relativamente pequeno, e ela poderia facilmente ter sido omitida. Mas, além disso, esta seção também apresenta instruções explícitas para as várias técnicas de meditação cabalística, e até mesmo isto foi considerado uma doutrina muito secreta para ser publicada para as massas.
O Ari também fez uso de um sistema de meditação que envolvia Yichudim (unificações), e isto foi incluído no corpo principal de seus escritos, particularmente no Sháar Rúach Hacodesh (Portal da Inspiração Divina). Mas é importante notar que, embora o Ari tenha vivido no século 16, este texto só foi impresso em 1863. Durante mais de trezentos anos ele esteve disponível somente em manuscrito.
Com a expansão do movimento chassídico no século 18, várias técnicas meditativas tornaram-se mais populares, especialmente aquelas centradas em torno do serviço de oração formal. Isto alcançou seu zênite nos ensinamentos do Rebe Nachman de Breslav (1772-1810), que discutiu sobre a meditação em uma extensão considerável. Ele desenvolveu um sistema que poderia ser usado pelas massas e foi principalmente por esta razão que os ensinamentos do Rebe Nachman enfrentaram forte oposição.
Um dos problemas em se discutir sobre a meditação - tanto em hebraico como em outro idioma - é o fato de existir somente um vocabulário limitado com o qual expressar seus vários termos "técnicos". Na busca por clareza, vários destes termos, como "mantra" e "mandala", foram emprestados dos vários sistemas meditativos do Oriente. Isto não significa insinuar, em hipótese alguma, que há qualquer conexão ou relação entre estes sistemas e a Cabalá. Termos como estes são usados apenas porque não há nenhum equivalente ocidental. Considerando que eles são familiares à maioria dos leitores contemporâneos, eles têm a vantagem de fazer o texto ser mais facilmente compreendido.
Muitas pessoas expressam surpresa pelo fato da tradição judaica conter um sistema meditativo formal que, pelo menos em suas manifestações externas, se assemelhe a alguns dos sistemas orientais. Esta semelhança foi observada primeiramente no Zôhar, que reconheceu o mérito dos sistemas orientais mas advertiu contra o uso deles.
O fato de sistemas diferentes se assemelharem reflete unicamente a veracidade da técnica, que visa principalmente a liberação espiritual. O fato de outras religiões fazerem uso disto não traz maiores consequências, como o fato delas também usarem a oração e a adoração. Isto não faz da adoração e da oração judaica menos significante ou única, e o mesmo é verdade em relação à meditação. Ela é basicamente uma técnica para libertar-nos dos grilhões de nossa própria natureza física. Aonde a pessoa vai daí por diante depende muito do sistema usado.